segunda-feira, 30 de maio de 2011

MULHERES

Estava num desses plantões movimentados, atendendo a um homem que tinha sofrido atropelamento de bicicleta, quando chegou uma mulher perto de mim e murmurou:

"Doutor, será que você pode me atender?"

Não gosto quando estou atendendo um paciente e outro vem me interromper, porque me concentro em dar bastante atenção à pessoa. Por isso, na hora pedi para que a mulher esperasse eu terminar de atender e nem cheguei a lhe dar muita atenção. Mas ela não desistiu e disse:

"Mas doutor... É que eu estou sem meu dedo"

Aquilo foi o suficiente para eu deixar de lado o homem, que estava sem problema algum, e fosse ver o que havia acontecido com ela. E só então eu me dei conta que, na verdade, não era uma mulher, e sim um travesti. Continuei tratando como "senhora", porque ela própria disse preferir assim.

De fato, estava sem parte de um dos dedos. Vinha com a mão dentro de um saco cheio de gelo e, assim que eu me aproximei, tirou de dentro para eu ver. Metade do dedo indicador havia sido arrancado, ficando só o osso fraturado exposto para fora na pontinha que  continuou na mão.

Entrei em contato com o ortopedista para que a atendesse e tentasse resolver a situação. Questionei que acidente havia provocado aquilo. Então explicou: ela era garota de programa e, durante uma briga com outra, apontou o dedo para a rival, que prontamente pulou e lhe mordeu o dedo até arrancar da mão.


http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/foto/0,,14724945,00.jpgO ortopedista ao examinar decidiu de imediato tentar operar. A cirurgia durou uma parte da noite. Foram inúmeras tentativas de reimplantar o dedo à mão, mas nenhuma teve resultado efetivo, fosse pela demora para procurar socorro, fosse pela forma como o dedo tinha sido arrancado.

No pós-operatório, fui conversar com ela para explicar a situação. Ela aceitou bem e, chorosa, explicou que mentira para mim. De fato, o dedo havia sido arrancado por mordidas de outra travesti, mas na verdade aquela era sua melhor amiga, que havia lhe roubado um rapaz que era ótimo cliente, por quem a vítima era apaixonada. Ela finalizou dizendo:

"Ela já me roubou dinheiro, cliente, o namorado e agora tomou até meu dedo"

Naquele momento, eu vi que não tinha mais nada para falar que pudesse diminuir seu sofrimento. Dei meu apoio e preferi deixá-la absorver sua angústia até estar forte outra vez para seguir em frente.



MULHERES é uma música de Martinho da Vila

Um comentário:

  1. Poxa vida! Fiquei chocado, como a vida pode ser difícil...

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