quarta-feira, 18 de maio de 2011

PAIS E FILHOS

Esse caso já foi postado antes no antigo formato, e estou remodelando ao atual...

Deu entrada na emergência um adolescente de 15 anos, obeso, acompanhado dos pais, queixando-se de dores fortíssimas na boca do estômago. Quando examinado, a dor era muito intensa em toda a parte superior do abdome, principalmente na região do estômago. Não sentia queimar, não tinha coisas que melhorassem ou piorassem.

Pela forma da dor, a principal hipótese inicial para ele foi de uma COLELITÍASE, que é o quadro de cálculos (pedras) na vesícula biliar. É raro na infância, mas poderia encontrar justificativa no peso elevado dele. O garoto foi internado para investigação e medicação para diminuir a dor. Solicitamos uma ultrassonogradia e uma endoscopia (mas essa demoraria para ser feita).

Logo no primeiro dia de internamento, ficou claro que não seria fácil diminuir o desespero dele. Mesmo com medicações analgésicas fortes, o garoto continuava a rugir de dor. O mais interessante, porém, é que ele ficava tranquilo em alguns períodos do dia, enquanto em outros passava horas e horas chorando e gritando.

Uma técnica de enfermagem muito astuta percebeu algo além e matou a charada. O garoto não parecia sentir dor e até brincava com outras crianças nos momentos em que não havia equipe médica por parte. E também quando a mãe estava fora. Bastava a mãe entrar na enfermaria, que ele começava a chorar e a gritar de dor.

Na manhã do terceiro dia de internamento, ele fez uma ultrassonografia, que descartou a hipótese de cálculos na vesícula. Então, até aquele momento, nada justificaria tanta dor. Na tarde daquele dia, a equipe médica decidiu fazer novo exame no garoto, enquanto a mãe estava fora. Ele reclamou que a barriga doía, mas estava bem. De repente, a mãe chegou. Então, o adolescente começou a gritar de dor e a chorar. A mãe também chorou, desesperada, aumentando a gritaria dentro da enfermaria por parte dos dois.

A decisão da equipe médica foi óbvia - o garoto estava fingindo ou, pelo menos, exagerando na dor. Apostamos então no conhecido tratamento placebo: na hora da crise dolorosa, fizemos uma infusão de apenas água direto na veia, fingindo que administrávamos medicação. E a dor do garoto melhorou.

Estávamos prontos para dar alta ao garoto com o diagnóstico de TRANSTORNO FACTÍCIO e acompanhamento pela psicologia para toda a família, em especial a mãe.
No dia da alta, ele foi levado para realizar a endoscopia já marcada. Quando voltou, o resultado surpreendeu a todos. Havia, no estômago, DUAS GRANDES ÚLCERAS, que justificavam por completo a dor intensa que o garoto tinha.

Portanto, seu diagnóstico final e efetivo foi de ÚLCERAS GÁSTRICAS, embora obviamente o menino tivesse uma influência negativa materna muito grande para lidar com a dor.




PAIS E FILHOS é uma música de Legião Urbana.

Um comentário:

  1. É apenas uma prova de que o óbvio nem sempre guarda a verdade, por mais verossímil que sejam os fatos relacionados.

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